quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Temer libera aumento salarial para STF; efeito cascata impedirá economia de R$ 8 bilhões


O presidente Michel Temer decidiu conceder o reajuste salarial para juízes federais e também para os servidores públicos da União. Essas medidas impedirão o governo de economizar, pelo menos, R$ 8 bilhões no Orçamento do próximo ano. A equipe econômica queria adiar o reajuste dos servidores federais para 2020 para garantir a maior parte dessa economia (R$ 6,9 bilhões, em 2019). Mas, nesta quarta-feira (29), Temer fechou acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) concedendo o reajuste de 16,38% para o Judiciário federal em troca do fim do auxílio-moradia.

Diante dessa situação, o presidente ficaria em uma saia justa se não concedesse o aumento para os servidores do Executivo. Os reajustes -de 4,75% a 6,65%-foram negociados em 2015, mantidos por Temer quando assumiu e programados para os anos seguintes para mais de uma centena de carreiras.

Cálculos de técnicos da Câmara dos Deputados indicam que o acordo com o Judiciário federal acarretará mais R$ 930 milhões somente com despesas decorrentes do aumento salarial para juízes. A conta pode chegar a R$ 1,1 bilhão considerando servidores do Executivo com rendimentos atrelados ao teto do Supremo. Com o reajuste, esse patamar passará de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil.

O Judiciário convenceu o presidente de que o aumento salarial poderia ser compensado pelo fim do auxílio-moradia de R$ 4,377 mil para os juízes. Apesar disso, os técnicos da Câmara preveem que será preciso fazer cortes nos investimentos, fundamentais para a retomada econômica.

O Palácio do Planalto confirmou que o assunto está em análise pelos técnicos do Ministério do Planejamento, que entregará o Orçamento do próximo ano ao Congresso nesta sexta-feira (31) com a previsão de reajuste. Os ministros do STF Dias Toffoli e Luiz Fux negociaram diretamente com Temer e definiram como o processo será conduzido. O reajuste já foi aprovado pela Câmara, em 2015. Assim que o Senado aprovar esse projeto, o auxílio-moradia será colocado em discussão no STF. Pelo arranjo, tudo isso deve ocorrer depois da eleição.

Paralelamente, o Congresso também, de acordo com o Planalto, deve impulsionar um projeto de lei acabando com o auxílio-moradia em todos os níveis. "Em princípio é isso que vai acontecer", disse o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (MDB-CE) também participaram das conversas. O pagamento de auxílio-moradia está sendo feito graças a uma liminar concedida monocraticamente por Fux em 2013. A tendência é que a maioria do Supremo se pronuncie pelo fim do benefício para juízes que recebem o auxílio mesmo trabalhando na mesma cidade em que moram.

A ideia é que o auxílio seja mantido somente em casos justificáveis, onde há difícil provimento de juízes. A preocupação que os representantes do Judiciário levaram a Temer é que não seria possível abrir mão nas duas frentes: o reajuste e o auxílio-moradia. O pagamento do benefício gerou controvérsias porque, em boa parte, era direcionado a magistrados que tinham até mais de um imóvel no local onde trabalham. A Receita Federal chegou a autuar juízes em todo o país por considerar o auxílio parte do salário. O fisco cobra o Imposto de Renda supostamente devido. O acordo pacifica o assunto.

Os juízes federais aposentados serão os mais favorecidos, pois hoje não recebem o auxílio por estarem retirados e terão seus vencimentos corrigidos como os da ativa. Apesar do acerto de contas que permitirá incluir o reajuste do Judiciário no Orçamento, técnicos da Câmara calculam que haverá um buraco a ser coberto. Isso porque a economia gerada com o fim do auxílio-moradia seria inferior ao aumento de gastos gerado pelo reajuste.

Segundo os técnicos da Câmara, o benefício custa R$ 530 milhões por ano. O Judiciário reivindica a alta de 16,38% como uma correção de perdas inflacionárias, causa reconhecida desde 2015, e que pressupõem perdas de 40% nas contas dos juízes.

Assessores de Temer afirmam que o acordo com o Judiciário não engloba a magistratura estadual. Cálculos iniciais de técnicos da Câmara indicam que o efeito cascata nos estados pode chegar a R$ 2,5 bilhões. Nas negociações com os ministros do Supremo, o governo quis amarrar o fim do benefício na magistratura estadual. Mas os ministros afirmaram que não era possível vincular os estados no acordo.

Embora o presidente tenha se convencido que as medidas serão neutras e não aumentarão os gastos do Judiciário, os técnicos da Câmara preveem cortes nos investimentos. Para eles, será preciso destinar mais recursos do Orçamento do Executivo para compensar o estouro do teto pelo Judiciário federal --que estava estimado em R$ 1,8 bilhão, sem o reajuste. Somando com o descumprimento do teto pelos demais Poderes, o valor já chegaria a R$ 2,2 bilhões. Agora, com o reajuste, o Executivo bate no teto das compensações orçamentárias de outros poderes previsto em lei.

ECONOMISTAS CRITICAM
Economistas criticam duramente a decisão do governo Temer de manter o reajuste dos servidores federais em 2019 e também o do Judiciário, este último em acordo fechado com o Supremo Tribunal Federal (STF). "Brasília ainda não entendeu o tamanho da crise fiscal em que se encontra o país. Ajustes salariais a essa altura da crise mostra que os grupos de pressão continuam tendo muita força para impor suas demandas ao Executivo", diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.

Para Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman, as medidas mostram que o Brasil precisa enfrentar as distorções de um modelo de máquina pública que serve a todos, menos aos cidadãos. Para a ex-secretária de Finanças de Goiás, o setor público está em processo de autofagia. "Hoje se concedem aumentos salariais, benefícios e privilégios a custa de investimento. Amanhã será a custa de remédios, escolas, merenda escolar. Está claro que batemos num muro e só não ver quem não quer", diz.

As movimentações, diz Vale, indicam a dificuldade que será aprovar a reforma da Previdência. "Sendo isto verdade o risco de voltarmos à crise é muito grande", diz. Nas contas de Fernando Montero, economista-chefe, consultoria Tullett Prebon, nos primeiros três anos do teto dos gastos, de 2017 a 2019, o governo federal terá aumentado seus proventos (ativos e inativos) R$ 38,1 bilhões, descontada a inflação do período. Para José Roberto Afonso, pesquisador Ibre/FGV, a Lei de Responsabilidade Fiscal restringe contratação e aumentos salariais em ano eleitoral. "Logo, não é problema de opinião mas de controle". BN

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