domingo, 19 de fevereiro de 2017

Traição e morte no reino dos chimpanzés
Intrigas, disputas por poder, alianças desfeitas, ataques conjuntos. A incrível história do primata morto pelo próprio grupo mostra como os animais se parecem com os humanos
Foudouko não era um chimpanzé comum. Seu comportamento extremamente agressivo e amedrontador havia lhe valido o apelido de “Saddam”, dado pelos estudiosos que acompanhavam a vida de seu grupo, composto por cerca de trinta outros primatas, em Fongoli, no Senegal. Era uma referência ao ditador iraquiano que durante 24 anos tiranizou a população de seu país. Foudouko não teve uma morte comum. Foi atacado por seu próprio bando com ferocidade impressionante e depois teve parte de seu corpo canibalizado. O que aconteceu a ele – durante a vida e a morte – é tão raro que sua história mereceu um relato na edição de janeiro do International Journal of Primatology, a mais importante publicação da área da primatologia.
O chimpanzé assumiu o comando do grupo em 2005. O posto é obtido em disputas que levam em consideração a força do proponente e sua capacidade de fazer alianças. Foudouko teve como seu segundo o primata Mamadou. Nas sociedades de chimpanzés, é assim que funciona. Todo líder tem seu auxiliar (macho beta), escolhido pelo poder de proteção ao comandante e intensidade da relação. Isso pode ser observado, por exemplo, pela quantidade de tempo em que eles fazem a catação. Nesse processo está mais do que catar piolhos um do outro. Está a manifestação de vínculo entre os envolvidos, assim como abraços e beijos dados uns nos outros. O macho beta oferece apoio, mas usufrui de benesses, como o direito de copular com uma fêmea no cio depois que o comandante tiver acasalado com ela.
Permanecer no poder exige do macho alfa habilidade para manter aliados e apaziguar o grupo. “É uma sociedade complexa e complicada”, diz o etólogo Eduardo Ottoni, da Universidade de São Paulo. “Ficar no comando envolve muita política.” Em Foudouko essas qualidades não eram assim tão presentes. O primata governou o bando na base do terror, assustando mais do que pacificando.
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Sua liderança durou três anos. Em 2007, Mamadou sofreu um grave ferimento na perna, deixando ele e Foudouko vulneráveis. Um ano depois, os machos jovens tiraram Foudouko de vez e o expulsaram do bando. Iniciou-se um exílio que durou cinco anos. “Não há registro de outro chimpanzé que tenha vivido tanto tempo longe do seu grupo”, afirma Jill Pruetz, da Universidade de Iowa. Ela acompanha o bando de Foudouko desde 2001 e é a autora do artigo recentemente publicado.
Embora afastado, o chimpanzé ficou por perto. Era sempre visto próximo do bando, na época liderado por David, irmão de Mamadou. À exceção dos dois irmãos, os outros primatas rechaçavam tentativas de aproximação. Até que em junho de 2013 os animais se organizaram para o ataque ao ex-líder. Os sons emitidos pelo bando foram ouvidos longe, no acampamento onde estavam os cientistas, inclusive Jill, acamada por conta da malária que havia contraído.
Quando um de seus assistentes, Michel Sadiakho, chegou ao local, não acreditava no que via. Foudouko, então com 17 anos, jazia no chão com as marcas da agressão. Mordidas e arranhões em duas patas, indicando que havia sido imobilizado para que os outros pudessem bater. Passado o clímax, os animais canibalizaram partes do corpo de Foudouko. Mamadou e David, os aliados, não participaram da matança.
FAMÍLIA SOPRANO
Não se sabe o que motivou reação tão agressiva. O ataque pode ter sido uma resposta à tentativa de Foudouko de copular com fêmeas ou uma manifestação de força dos animais jovens. O fato é que duas características tornaram especial a morte do chimpanzé: ser morto pela própria comunidade – antes, havia apenas oito registros de casos assim – e a extrema violência aplicada, incluindo o canibalismo. “Isso foi muito incomum”, disse à ISTOÉ o pesquisador Michael Wilson, da Universidade de Minnesota. “Tudo o que aconteceu me fez lembrar Família Soprano”, afirmou, referindo-se à série que conta a história nada tranquila de uma família de mafiosos americanos.
Considerando-se que 99% do DNA de homens e chimpanzés é exatamente igual, a comparação não é de todo descabida. Especialmente quando se analisa a trama que envolveu a morte de Foudouko: briga pelo poder, por fêmeas, traição dos mais jovens, alianças desfeitas, ataques coordenados. Não é difícil encontrar várias situações iguais na sociedade humana.

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